O Papa Bento XVI publicou recentemente a exortação apostólica Sacramentum Caritatis, que tem por tema central a importância da missa na vida dos católicos. De acordo com S.S. o Papa, “é necessário evitar a improvisação genérica ou a introdução de géneros musicais que não respeitem o sentido da liturgia”. Para além disso, reafirmou-se a impossibilidade dos Padres contraírem matrimónio.Confesso que sou um católico indigente e pecador. Como qualquer outro homem tenho as minhas paixões terrenas e os meus excessos. Raramente vou à missa, mas quando acometido por crises profundas de consciência sempre achei a liturgia uma boa terapia, se comparada com o recurso a antidepressivos. Em alternativa a doses cavalares de Clomipramina, Paroxetina, Lítio, Citalopram, Duloxetina, Fluoxetina, Venlafaxina, Sulpirida, Tranilcipromina, Mapotrilina, Fluvoxamina ou Nortriptilina, aconselho umas visitas dominicais à Igreja. O efeito é o mesmo e fica bem mais barato.
Gosto de saber que, quando entro num templo onde se professa o rito católico romano, seja ele localizado em Lisboa ou Setúbal (se é que nessa terra existem igrejas), Tóquio ou Nairobi, vou poder acompanhar a celebração eucarística sem qualquer tipo de dificuldades uma vez que a forma e o conteúdo, independentemente da língua utilizada, é sempre igual. Assim, não creio que, como referiram os arautos da desgraça, a intenção de Bento XVI ao reintroduzir o latim em alguns rituais fosse a de ignorar as decisões tomadas pelo Concílio Vaticano II (1962-65) ou afugentar o rebanho da reunião semanal.
Não vejo qual o problema de se reintroduzir o latim, ou se começar a utilizar o aramaico como línguas litúrgicas. A ratio dessa medida é precisamente aproximar o fiel de Deus, por um lado, e do seu próximo, por outro (para além de poder dar jeito a quem demonstra ter dificuldades em traduzir as Cartas de Plínio, o Moço, ou as Catilinárias de Cícero). Um Pater Noster será compreendido por um crente chinês que reza à revelia do PC como por uma beata das Carmelitas Descalças em puro êxtase. Encurta-se a altura da torre de Babel!
Sobre a continuidade da regra do celibato, mais uma vez me sinto na obrigação de explicar ao Frei Bento Domingues que o que manteve a Igreja Católica coesa ao longo dos tempos foi precisamente a cristalização – quasi sacramentalização – de algumas das suas normas. Ouvir Frei Bento dizer que “ao continuar a se restringir a possibilidade de celebrar aos celibatários, deixará de haver quem reparta o pão eucarístico” leva-me a pensar que este impoluto homem do clero tem esqueletos no confessionário…
Agora a questão dos géneros musicais. Ufa! Pensava que a Santa Madre Igreja ia continuar a pactuar com a investida pimba no Reino do Senhor. Afinal não. Ratzinger, um confesso amante da obra de Mozart, mostrou mais uma vez que a nivelação tem de ser feita por cima. Espero sinceramente que se acabem com as guitarradas e os batuques na missa, mas também com o Stabat Mater do Vivaldi para reco-reco e ferrinhos; o Messias de Handel para flautas de plástico da Höhner ou a Paixão segundo S. Mateus de Bach pelo co(i)ro de velhotas esganiçadas lá da paróquia…
Voltemos a fazer da eucaristia uma oportunidade para nos encontrarmos com Deus e não uma obrigação social para vizinho ver. Não se pode entrar na Igreja sorridente, debitar as oraçõezinhas, engolir avidamente a hóstia vertendo um discreto arroto de satisfação e voltar para casa a insultar a mulher e os filhos dentro do carro. Tem de ser mais do que isto. Tem de se consubstanciar num enriquecimento a nível pessoal, com efeitos para cá do adro.
E fazendo meus os ensinamentos de Oakeshott, ainda que a mudança seja inexorável e, enquanto tal, naturalmente aceitável, a inovação – produto de um suposto progresso humano – só deve ser aceite nos casos em que seja notório um ganho relativamente à situação anterior, o que, tendo presentemente a zurzir na minha cabeça o Padre Borga, não parece ser o caso…