
O relatório de Martti Ahtisaari (enviado especial da ONU encarregue de dirigir as negociações sobre o estatuto final do Kosovo) propunha a instituição de um regime de soberania limitada para aquele enclave muçulmano. O Kosovo teria direitos de participação e representação internacional limitados, bem como entraves ao nível da constituição de forças armadas e de segurança. Teria igualmente de criar mecanismos de protecção da minoria sérvia que ainda habita o território.
Os sonhos de glória e engrandecimento da “grande nação sérvia”, e a acérrima defesa da identidade nacional (refira-se, a este propósito, a importância histórica do território) fizeram com que o Parlamento Nacional sérvio, dominado pelos nacionalistas, vetasse por larga maioria, a proposta de Ahtisaari.
Contrariamente, o grosso dos partidos políticos albaneses aceitou-a. Perante esta patente divergência de perspectivas e a mais que provável ausência de um acordo entre as partes, caberá ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) decidir a questão. Algo que parece muito fácil no papel, mas que na realidade terá consequências imprevisíveis para a estabilidade e a segurança dos Balcãs.
A União Europeia tem vindo a celebrar diversos convénios com a Sérvia. Esta é vista em Bruxelas como um Estado com potencial para vir a integrar o projecto europeu. Diversos programas de financiamento têm tido como alvo a região dos Balcãs (v.g. o TACIS e o instrumento de estabilidade) e a eurocracia tem vindo a desenvolver, nos últimos anos, uma Política Europeia de Vizinhança (PEV), que tem por objectivo manter a estabilidade (económica, política e securitária) nas suas fronteiras.
Pelo seu lado, os EUA, enquanto líder da NATO, não vai querer deixar de manter uma certa presença na região – especialmente agora que os europeus parecem poder vir a prescindir do apoio militar norte-americano, ao iniciar uma tímida Política Externa de Segurança e Defesa (PESD).
Os aliados de um e do outro lado do Atlântico procuram a estabilidade. Seguir o plano de Ahtisaari seria perfeito, mas na eventualidade de se depararem com muitas dificuldades, as potências ocidentais apenas procurarão evitar que a situação no Kosovo descambe, como em 1999, para um cenário de conflitualidade extrema. Nem que para isso a região tenha de ser sacrificada aos Sérvios, numa verdadeira política de contenção de danos.
E isto porque, como em 1999, os Russos parecem vir a assumir-se como a grande força de bloqueio no CSNU. Na Conferência de Munique sobre Segurança, que teve lugar há cerca de duas semanas, Putin afirmou peremptoriamente que iria utilizar o seu direito de veto e não aprovaria qualquer solução que não fosse primeiramente escrutinada por Belgrado. Esta posição radica nos laços históricos que ligam os dois países e na influência económico-política que Moscovo tem vindo a ganhar na sociedade sérvia, bem como no facto de Putin se ver, ele próprio, a braços com um incómodo movimento independentista na Tchetchénia.
Atendendo à notória dependência energética da UE face à Rússia, especialmente ao nível de fornecimento de gás natural; ao facto da NATO estar a procurar instalar sistemas anti-mísseis na República Checa e na Polónia, criando justificados receios russos e colocando em sentido o seu “estrangeiro próximo”; e às divergências sentidas para ultrapassar o impasse negocial sobre o programa nuclear iraniano, é possível que se verifiquem cedências da parte dos ocidentais às vontades de Moscovo. E em que é que estarão a UE e os EUA prontos a ceder?
A situação corre o risco de vir a ser tratada com paninhos quentes ou não ser de todo resolvida, para evidente desconforto da população kosovar albanesa.