Wednesday, August 29, 2007

Da ilusão e da reacção

Exmº AE

O Sr., mais que ninguém, sabe que eu tenho um certo carinho pelo seu modus faciendi. A sua irreverência, aliada a uma personalidade marcadamente vincada não podem deixar de ser consideradas uma lufada de ar fresco na sociedade politicamente correcta em que vivemos. Contudo, permita-me que faça – utilizando imagem que decerto lhe traz reminiscências da sua formação académica, –uma análise pictórica do “quadro de horrores” com que nos presenteou.

1. Estamos de acordo quanto a Freud. Embora não possa deixar de mostrar a minha apreensão por se ter esquecido do facto do célebre psicanalista ter referido textualmente que «(w)e must therefore accept it without complaint when they (illusions) sometimes collide with a bit of reality against which they are dashed to pieces». Por outras palavras, Freud, tal como eu próprio, admitia a existência de uma realidade antinómica, caracterizada pelos impulsos mais instintivos dos indivíduos por um lado, e pela racionalidade pelo outro. Mas para além disso, Freud tinha o discernimento necessário para compreender que mal cessasse a “moca” (ou a patologia) do qual o indivíduo padecia, a única coisa que restaria era a dura realidade… Longe de mim querer fazer qualquer juízo de valor sobre os meandros soturnos da psique de V. Exa.

2. Não tenho nada a comentar relativamente às observações de Gerard Durozoi e Bernard Lecherbonnier.. Eu próprio estou de acordo com o binómio antitético que os autores apregoam. Simplesmente não opto pelo mesmo lado da barricada. Respeito os pontos de vista diferentes dos meus, por mais inconsistentes e autodestrutivos que eles se afigurem.

3. E é precisamente nesse ponto que entre nós se abre um fosso, qual Mar Vermelho dividindo egípcios e judeus (gosta da alegoria religiosa?). Eu consigo ser tolerante. O Sr., à primeira vista, e salvo melhor opinião, não. Afirmando que «todas as repressivas normas impostas devem, então ser destruídas» e, citando Crevel, que «todos os meios são bons para arruinar as ideias de família, de pátria, de religião» o Sr. corre o risco de parecer ser mais intolerante que um oficial da SS num Bar Mitzvah.

4. Como Locke referiu na sua célebre Letter Concerning Toleration (1689), nenhuma crença pode ser imposta pela força. A liberdade de consciência é um direito natural de todos os homens. Respeito-o, por isso, independentemente das suas convicções. O Sr. é livre de as ter e de as expressar dentro dos limites tidos por aceitáveis por uma sociedade civilizada. Não lhe tento impor a minha maneira de pensar. Não o obrigo a ir à Missa, nem a ter uma família, e muito menos a escolher uma pátria. Não obstante, temo que o Sr., advogando a destruição das bases societárias, me queira, coactivamente, fazer abraçar um ideal que não é o meu.

5. É precisamente neste contexto que eu não posso nunca concordar com a busca da liberdade sem limites; a liberdade desenfreada – apesar de não me opor a que outros o façam, sem colocarem em causa a minha própria liberdade. Não consegue ser livre se não destruir as ideias de família, de pátria e de religião?

6. Para vivermos em sociedade, temos de ter consciência de que o conceito de liberdade não faz sentido sem uma inerente responsabilidade. Uma escolha é livre se for consciente: algo que apenas acontece se estiver no pleno uso das suas capacidades e não ceder totalmente aos seus instintos. Por exemplo: a opção de tomar substâncias maradas é livre. Já os actos decorrentes do estado alterado, na medida em que não são conscientes, nem responsáveis, não podem ser livres.

7. Convido-o neste contexto, a ler Alexis de Tocqueville, Isaiah Berlin ou Friedrich von Hayek (nomeadamente a sua obre seminal de 1960, The Constitution of Liberty). Como Max More referiu, num interessante artigo intitulado Liberty and Responsibility: Inseperable Ideals, «Liberty is not license. Liberty means freedom from compulsion. It means being free to choose your own actions, make your own plans, and act on your own beliefs and values. If social chaos and disintegration do not concern us, then we may demand freedom alone. If however, we wish to live a productive, rewarding life, in a flourishing society we will affirm that in demanding liberty we agree to take charge of ourselves. Freedom from outside control merely leaves a chaotic void if not replaced by control from within».

8. Estou em crer que nem o Sr. advoga a destruição da sociedade. Da sociedade livre, que lhe permite a defesa dos seus pontos de vista anárquicos ou niilistas.

9. Não sem deixar uma vez mais de demonstrar o meu férreo respeito pelas suas formas de ser e de estar na vida, despeço-me cordialmente com uma frase de Aristóteles que sintetiza a minha perspectiva:

“He who is unable to live in society, or who has no need because he is sufficient for himself, must be either a beast or a god.”

Com os mais respeitosos cumprimentos,

MP