Saturday, October 13, 2007

Risco para 343000 portugueses!

Tendo em conta que foi inaugurada em Fátima aquela que é a 4ª maior igreja católica do Mundo (tendo sido projectada por um cristão ortodoxo!), estando a questão da liberdade religiosa na ordem do dia e após acesa discussão entre AJ e MP, quero partilhar este artigo de Graça Franco que foi publicado no jornal "Público" a 5/10/2007.
O Risco Existe

O risco existe. Está-se à beira da morte abandonado numa enfermaria do hospital e cruza o olhar com uma imagem de um sem-abrigo agonizante numa cruz de pau. E, depois de uma vida à margem da moral e da doutrina pregada por esse pobre Deus, companheiro de infortúnio, surge uma espécie de vontade inelutável de encontro. Mesmo breve, mesmo o único. De uma conversa a sós que sempre se recusara até aí. Para partilhar a agonia daquele momento de suprema humanidade em que até Ele, não resistiu a gritar: porque me abandonaste?

Segue-se a pergunta inevitável: será que existes? E porquê? E depois a lista dos porquês, para os quais nunca encontrámos resposta, uma torrente avassaladora de conversão profunda e mudança radical. O meu pai contou-me que foi assim que O encontrou, vítima de uma espécie de infecção hospitalar que a ASAE republicana não se cansará, com razão, de combater.

No seu relato, depois de uma vida à Santo Agostinho, quando já rondava a casa dos vintes e levava anos a fio de recusa de encontro com Deus, cultivando a sobranceria intelectual e ódio de estimação por alguns dos seus pastores, meteram conversa, numa velha enfermaria do hospital de Cascais onde esperava que se cumprisse uma quase sentença de morte. Sem padres de permeio. Foi o próprio Cristo sarapintado da parede que cruzou com ele o olhar. E nele descobriu que tinha um Pai no Céu. Como sempre o nomeou. Nunca falava de Deus. A minha fé é uma espécie de fruto tardio desse encontro, de um jovem com um velho pedaço de madeira pendurado na parede.

Por isso percebo que os que não Crêem, mas sobretudo os que Não Querem que esses momentos continuem a ocorrer, estejam tão preocupados em garantir a imunidade da população hospitalar ao seu olhar de desafio.

Um povo que acredita que tem um Pai Deus é bem capaz de pôr em causa o cumprimento acéfalo da legislação produzida pelos Iluminados. É mesmo capaz de considerar que a Ética não se reduz à Lei, como manda o cardápio da velha República. Um povo assim torna-se perigoso. Imaginem que começa a empreender e sustentar que não basta ser legal para ser moral? Maçadas a evitar.

Mas a verdade é que foram sete milhões trezentos e cinquenta e três mil, quinhentos e quarenta e oito portugueses a proclamarem-se, no ano da crise de 2001 (último disponível), não apenas cristãos mas (imagine-se?!) católicos.

Fizeram-no pelo seu punho, sem pressões, e quando os formulários do INE lhes diziam expressamente RESPOSTA FACULTATIVA e avisavam ainda para um perigo: " a resposta a esta pergunta implica a autorização para o tratamento dos respectivos dados". E a pergunta era tão só " indique qual a sua religião". Depois oito quadradinhos à escolha incluindo a opção dos "sem religião".

Era facultativa e a última opção do inquérito mas só não responderam 786 mil de um total de quase oito milhões e setecentos mil inquiridos com mais de 15 anos de idade.

Ou seja, mais de sete milhões não resistiram a confidenciar ao INE o que não deveria, na óptica do neo-jacobinismo intelectual em voga, transpirar para fora dos confessionários, invadir o espaço público e menos ainda contaminar as estatísticas nacionais. As ditas alminhas confessaram-se Católicos com a mesma aparente desvergonha com que uns quadradinhos atrás haviam quem assumisse que vivia em casas sem electricidade ou casa de banho. Como não respondi ao Censo estou em condições de garantir que o número peca por defeito em pelo menos um…

E os outros? Quase mil e oitocentos disseram-se Judeus, mais de 17 mil Ortodoxos, 12 mil Muçulmanos, perto de 123 mil de outras religiões cristãs, pouco menos de 14 mil não cristãos e 48 mil e trezentos protestantes.

Curiosamente, os "sem religião" que preencheram o respectivo quadradinho não chegaram aos 343 mil. Número próximo dos quase 365 mil votos obtidos pelo Bloco de Esquerda nas últimas legislativas. Dois grupos cuja dimensão fica curiosamente aquém da vasta influência social que lhe é civicamente reconhecida…Porque serão? Talvez por se apresentarem porta-vozes de uma "esmagadora maioria silenciosa" sempre difícil de medir ou encontrar.

No mesmo ano de 2001 a Igreja Católica fez outro levantamento junto dos seus crentes e concluiu que a prática religiosa se limitava a uns vinte por cento do total do rebanho, justificando o deserto de muitas Igrejas, a falta de vida comunitária, a generalização de estilos de vida à margem da moral e dos ensinamentos de Roma. Os restantes 80 por cento "não praticantes" revelava outra sondagem à época assumia a prática de pelo menos um acto de culto mensal.

Mas - fique claro - a falta de prática religiosa, sendo um problema grave a encarar pela Igreja, é uma mera questão interna. Afecta os católicos enquanto tais, mas não pode ser usada como lente redutora do seu papel ou peso social, nem pelas outras religiões, nem pelos laicistas militantes.

Voltemos aos números. Desde 2001 muita coisa mudou. Passámos de um PS liderado por um católico para um crescendo das margens do partido onde pontuam os nostálgicos do jacobinisto de 1910. Destaque para o professor Vital Moreira, que frequentemente falha na análise dos problemas quando envolvem números.

Por exemplo, quando analisa o mandato que o povo conferiu ao PS nas últimas eleições legislativas incha com os confortáveis 45,03 por cento de votos obtidos pelo partido do Governo, esquecendo que a percentagem corresponde a uns escassos 2 milhões e 600 mil apoiantes. Os restantes três milhões e tal de votantes preferiram alternativas e os outros três milhões escolheram a abstenção. Ou seja, o PS não teve o voto de mais de seis milhões de portugueses.

Esta continha em nada diminui a legitimidade da governação de Sócrates, mas aconselha a não confundir maioria absoluta e poder absoluto. Isto para já não falar do respeito merecido aos católicos que enchem as fileiras socialistas ou votaram socialista.

Querem reintroduzir a questão religiosa em Portugal ? Esperem por 2009!

A vitória no referendo do aborto levou-os a anunciar a morte da influência da Igreja na sociedade portuguesa. Mas temem repetir o erro dos velhos correlegionários, que anunciaram com pompa e circunstância a morte do próprio Deus e inesperadamente se finaram sem tempo para confirmar o óbito divino. Os sobreviventes do espírito da perseguição de 1910, vêem agora no centenário um nicho de oportunidade para dar a varredela final à padralhada. Começaram na nova lei do protocolo, prosseguiram o trabalho com a inventona dos crucifixos nas escolas e propunham-se levar a cabo a magna tarefa da "limpeza" dos hospitais.

Tiveram por isso a genial ideia de exigir uma declaração escrita aos moribundos para que possam requer o simples serviço de um padre. Não podem substituir-se-lhes familiares, amigos ou funcionários hospitalares. Á pala da liberdade e do pluralismo religioso querem agora impor uma Entidade Reguladora da liberdade religiosa para assegurar a boa regulação das consciências.

Os molestados com a imagem de Cristo numa enfermaria terão todo o direito de requerer a sua retirada e será seguramente o crente mais próximo, com a caridade da respectiva fé, o primeiro a prestar-lhe este serviço.

Mas se a ideia é apenas a de evitar essa possível "afronta", imponha-se apenas a esses a declaração de recusa de assistência e a garantia da retirada de imagens no perímetro circundante. Reduz-se a burocracia ao universo de menos de um milhão e meio de portugueses. Inscreva-se a nova medida no Simplex e anuncie-se o cartão de utente laico. Sempre se poupa na papelada…

PS: Sócrates, mostra-se melhor em contas do que muitos dos seus companheiros. Chamou a si a questão. Ainda bem!