Friday, March 2, 2007

In Memoriam: Bento

Aproxima-se o fim-de-semana. Chega mais uma jornada do belo campeonato português.

No futebol do século XXI, os estádios cheiram a novo, as equipas são competitivas, e vive-se um ambiente muito colorido proporcionado pelos inúmeros cachecóis e concerto de vozes a capella das claques.

No futebol do século XXI, as unhas roídas durante os primeiros 45 minutos são substituídas pelos cachorros quentes e coca-cola nos intervalos. Cor, luz, animação, espectáculo. Está criado o Circo do nosso tempo (embora o palhaço acabe por ser sempre o mesmo).

É nestas alturas que me lembro do passado recente. Ainda há uns anos os estádios assemelhavam-se aos coliseus romanos: os espectadores ficavam à chuva, o rabo ficava molhado e o espectáculo condizia mais com uma luta de gladiadores do que com uma partida de futebol. Graças a jogadores como o Paulinho Santos, havia mais sangue a escorrer que num hospital de campanha do Iraque e mais rinoplastias que na clínica do Ivo Pitangui.

As equipas não eram competitivas, os cachecóis, vendidos por feirantes, eram fabricados em polyester que nos deixava o pescoço cheio de alergias e os doces sons das vozes a capella das claques davam lugar ao barulho dos cacetetes do corpo de intervenção a quebrar os ossos dos elementos mais extremistas das referidas agremiações.

As unhas roídas (porque também as havia), eram substituídas pelos pevides (que eram quase a mesma coisa que as unhas), pelos tremoços e amendoins, bem como pelas garrafinhas de minis, comercializadas por sujeitos de aspecto dúbio em geladeiras da campingaz sem qualquer tipo de licença camarária ou controlo sanitário.

Os calções eram mais curtos e os bigodes mais longos. Lembram-se da geração de '84? Vejam a fotografia.
Mas foram nessas circunstâncias adversas que surgiram as grandes referências futebolísticas da nossa geração. Quem não se lembra do grande Reinaldo? E do Bóbó do Boavista? E do João "Bombeiro" Pinto? Apenas me recordo da figura do grande capitão, com a taça dos Campeões Europeus enterrada na cabeça a pensar "Vou ser o heroi do Bulhão!!" ou, com ar mais intelectual do Mundo, a referir que apenas faria prognósticos no final da partida.

Quem não sente saudades dos duelos Paulinho Santos-João Pinto? Ou das dificuldades de erecção do Secretário quando, num estágio da selecção, cheio de drogas e alcool, a única coisa que conseguiu "espancar" foi uma prostituta brasileira chamada Paula?

Nessa altura o futebol não era para meninas. Mas também não era para artistas. Um Cristiano Ronaldo em meados dos anos 60' teria jogado todos os jogos. Qualquer rotura de ligamentos que não fosse total, era coisa de choramingas. Para terem uma ideia, o Coluna jogou uma parte inteira da final da Liga dos Campeões de 1965 com a perna partida. E o Travassos passou o resto da via entrevado numa cadeira de rodas...

Já na década de 90, um Cristiano Ronaldo apenas teria jogado meia época. Dois ou três mergulhos para a piscina davam direito a uma cotovelada nos dentes ou uma pisadela da jugular e, se o árbitro fosse caseiro, a uma expulsão, por estar a jorrar compulsivamente sangue para cima das suas chuteiras.
Actualmente, só temos metrosexuais em campo. Um toquezinho e logo um esgar de dor atroz e lancinante se apodera do facies do jogador. Um unha do dedo mindinho do pé encravada é lesão para dois meses e uma negra na canela é tratada com sais de banho em inúmeras sessões de hidromassagem e talassoterapia.

Antes o espectáculo era mais feio. Mais sujo. Mas os homens eram mais Homens. Mais rijos e mais valentes.

Tu eras rijo Bento. Boa viagem campeão.