Monday, March 5, 2007

A Justiça (atchimmm)......Constitucional

Após a leitura de um mordaz artigo de Francisco Teixeira da Mota na edição do Público de 3 de Março (Sábado passado), onde este apontava algumas criticas ao funcionamento do Tribunal Constitucional, e aprestando-se a Ordem dos Advogados a mover procedimento disciplinar ao comentador por um outro artigo escrito nesta linha (a criticar o TC), não quis deixar de me solidarizar com este cidadão, que me parece ser aqui uma vítima da exagerada sacralização dos Senhores Doutores Juízes.

Como não pretendo ser nem mal interpretado nem acusado de ser reaccionário, importa fazer algumas considerações iniciais.

Acredito plenamente que os juízes portugueses são, na sua maioria, pessoas capazes e trabalhadoras, com conhecimento do Direito e sentido de Justiça, e com vontade de (bem) prosseguir as funções que lhes foram confiadas pelo Povo.
É por demais natural que o juíz, até pelo enorme volume de pendência de processos dos tribunais (entradas vs saídas, processos recebidos vs processos findos), cometa erros de julgamento ou aprecie erróneamente as questões.
Podemos até não concordar de todo com a decisão judicial, mas, desde que haja fundamento material e legal para o juíz entender a mesma de uma forma diferente da que se pretenderia, podermos respeitar o sentido do aresto e a opinião do decidente.
Em qualquer ramo, carreira ou profissão é mais do que natural que sempre haverá pessoas mais capazes do que outras, pessoas que tenham um sentido e sensibilidade mais apuradas para o exercício dessas funções, sem que isso implique o demérito ou o desprestígio dos restanes.

Não podemos é de forma alguma, em democracia e liberdade, compactuar com mentiras, e, muito pior, campanhas de desinformação e perseguição daqueles que pretendem informar a opinião pública para o que se vai passando no Olimpo Judiciário...

O Presidente do Tribunal Constitucional afirmou à comunicação social, na abertura do ano judicial, que o Tribunal Constitucional estava um volume de trabalho muito bom, com uma pendência reduzida, onde as decisões demoravam 2 a 3 meses para serem proferidas.
Para todos aqueles que conhecem a realidade prática do universo judiciário, e, em particular, o do TC, as declarações do presidente do TC são anedóticas, e isto se quisermos ser bondosos no adjectivo a usar.

Na verdade, a prática demonstra que as decisões do TC demoram, em média, 2 a 3 anos a ser prolatadas (atente-se no próprio site do TC, na secção de jurisprudência, onde se pode visionar os nºs de entrada dos processos e a data dos respectivos acordãos), com a particular agravante de, em boa parte dos casos, serem decisões que se limitam a não conhecer do objecto do recurso (!!!).
Para os leigos, isto significa algo como "Opa, não vou sequer olhar para o que andaste para aqui a escrever, só por causa desta questão formal completamente da treta, mas que agora posso usar para não ter mais trabalho com isto. E, para não me voltares a chatear mais, toma lá com 400 contos de custas (20 UCs) , porque eu preciso de amealhar para a choruda pensão que vou receber quando sair daqui após o meu mandato de 6 anos - e irei continuar a receber, mesmo que vá trabalhar para outro sítio qualquer - ".

Sim meus caros Convencidos, pedir justiça ao Tribunal Constitucional exige um sem número de formalidades legais sem qualquer sentido ou efeito útil, destinadas apenas a obstar a que a pendência no TC seja alta (algo que não impede que as decisões ainda assim demorem 3 anos ou mais a sair).
Se porventura não tiverem razão, mesmo que a decisão não seja unânime no voto dos conselheiros, por naturalmente causa polémica ou divergência de opiniões, é chapa 20 (UCs) para todos, isto é, 400 contos para o tribunal, quer seja o Belmiro de Azevedo ou o imigrante ilegal lá da terra...

Se a isto juntarmos o paradisiaco regime de remunerações e pensões do TC, o facto de os conselheiros serem nomeados pelos partidos em vez de serem escolhidos por concurso público a obedecer a rigorissimos padrões de qualidade, não admira que (muito) mal se ande na justiça constitucional hoje em dia.

Posta esta diatribe, é normal que se pense que sou mesmo um Convencido muito reaccionário ou então um dos que guarda muito rancor ao Tribunal Constitucional.
Longe disso, quero apenas frisar com maior veemência que o trabalho e qualidade das decisões do TC tem vindo a declinar progressivamente nos últimos anos, e que urge informar a opinião pública para que algo seja feito no sentido de reformar esta fulcral instituição.

Assim, aqui vai um breve exemplo do que esteve a discutir, que é apenas uma gota no oceano das decisões do TC.

Trata-se do Acordão nº 28/2007, proferido no âmbito do processo nº 893/2005 (ora aqui está a velocidade supersónica das decisões), referente a um processo onde foi aplicada a um funcionário público a pena disciplinar de perda de pensão de aposentação por 3 anos. O site é público, e o Acordão também, pelo que, para qualquer Convencido mais curioso, basta aceder ao site do Tribunal Constitucional e procurar na secção de Jurisprudência este aresto.

Em jeito de resumo para evitar maçar o leitor com pormenores jurídicos, diremos apenas que se procurou defender a tese de que a norma que determinou a aplicação dessa pena seria inconstitucional, por atentar contra o principio da dignididade da vida humana, quando interpretada no sentido de permitir a perda da pensão quando este seria o único meio de subsistência do dito funcionário (pensão no valor de 400 euros, diga-se em jeito de confidência).
Vencidos os obstáculos formais, que, mesmo para um jurista de valor e experiência, são traiçoeiros, o TC apreciou a questão de fundo, num sentido que infelizmente muito se deplora, e julgo que ofende qualquer consciência, sobretudo dos mais fracos e desprotegidos face a estas agressões dos seus direitos.
Mais se dirá ainda que, em 5 juízes conselheiros, 2 votaram contra, e que o relator da decisão (o juíz que efectivamente desenvolve a argumentação do aresto) foi alterado a meio, facto este que consta expressamente da decisão, e que muito se estranha...

A brilhante e iluminada conclusão dos ilustres conselheiros que votaram em sentido desfavorável ao funcionário foi de que, em primeiro lugar, como estávamos no âmbito da aplicação de uma pena disciplinar e não no âmbito de uma penhora, é exígivel que o funcionário sofra uma concreta perda nas suas condições de vida (ainda que não tenha qualquer hipótese de o suportar) para se "sentir a punição".
Depois, os ilustres conselheiros entendem que, mesmo quando esta punição coloca em causa a dignidade da pessoa, ameaçando a sua sobrevivência e subsistência, há mecanismos assistenciais previstos no ordenamento jurídico destinados a fazer face a situações de carência económica, não enunciando sequer quais são eles.
Termina com uma condenação em 20 Ucs, ou seja, 2000 Euros / 400 contos de custas judiciais, como se a privação da pensão de 400 euros do funcionário não fosse suficiente (os ilustres conselheiros acham mesmo que mais vale dar um tiro de canhão na mosca não vá ela recuperar).

Pergunta-se então:

Se isto é uma decisão justa, equilibrada e proporcional, que mecanismos assistenciais cabem ao funcionário?
O Exército da Salvação? A Legião Estrangeira? A UNHCR? A Igreja Universal do Reino de Deus?
A Falência? Roubo, extorsão, tráfico de droga?
Porque certamente que os ilustres conselheiros não se devem estar a referir à nossa Segurança Social, que tão bem e atempadamente funciona...

Após as considerações expendidas, e o exemplo prático aqui transcrito, pergunto-vos se é esta a Justiça que pretendem para vós meus caros Convencidos, e, também, para os nossos filhos e gerações vindouras.