Se um desconhecido o abordasse numa rua de Viena e lhe perguntasse:
- Quer um bilhete para a Ópera de hoje à noite?
Pois bem. Independentemente da resposta do leitor, para mim, abordagens destas são semelhantes às de um dealer que, num beco escôncio do Casal Ventoso, pergunta a um janado se quer mais um “chuto” de heroína. É totalmente irrecusável.
- Quer um bilhete para a Ópera de hoje à noite?
Pois bem. Independentemente da resposta do leitor, para mim, abordagens destas são semelhantes às de um dealer que, num beco escôncio do Casal Ventoso, pergunta a um janado se quer mais um “chuto” de heroína. É totalmente irrecusável.
Lá puxei pelas rupias e fui ver a Lucia de Lamermoor, de Donizetti. Dizem que não há nada como a primeira vez. Em 2000 vi, também em Viena, o Otelo de Verdi sob a direcção de Viotti. Em 2007, Donizetti por Arrivabeni. E posso dizer que à segunda foi ainda melhor.
Meus caros! La Fenice para o Barroco; San Carlo para o Clássico. Mas La Scala e a Wiener StaatsOper para o Romantismo de qualidade! Aliás: a Ópera de Viena é, a par do Musikverein, um dos dois únicos locais da cidade em que se pode fugir (salvo em raras ocasiões) às entediantes valsas de Strauss! Tudo o resto parece girar à volta dos folhos e entrefolhos das jovens debutantes do Grande Baile anual.
Lucia de Lamermoor é uma obra absolutamente notável. Baseada no livro de Walter Scott “The Bride of Lamermoor” (sim, sim, o mesmo que escreveu o Ivanhoe), é a tragédia de uma jovem escocesa do século XVI que enlouquece por amor. E em Viena, sabem-na contar melhor que ninguém. O guarda-roupa e os cenários megalómanos. Os Coros assombrosos e os interpretes de primeira água.
Não tenho palavras para descrever a penúltima ária de Lucia (Edita Gruberova) em que esta, após matar o marido, ainda deposita esperanças de ficar com Edgar, o seu amor proibido. O diminuendo final da magistral soprano é subitamente quebrado por um trovejar de bravos. Uma tonitruante salva de palmas invade a sala. Toda a gente de pé, em puro êxtase. A plateia, em catárse colectiva, grita, assoma às balaustradas dos camarotes. Até o austríaco típico, que não é mais que um cubo de gelo com pernas, se comove com o triste destino de Lucia. Caem meia dúzia de ramos de flores do palco.
Nunca tinha visto nada assim. A velhota que se sentava ao meu lado, chorava de emoção. Eu, em pé, gritava a todos os pulmões "Bravo!, Bravo!". Confesso que até verti umas lágrimas.
Foi demasiado belo.
Foi demasiado belo.
(P.S.: a foto que vêm neste post foi tirada ontem, in loco)