
Médico que sempre foi a par de poeta, diarista e dramaturgo, Miguel Torga sempre será um dos maiores vultos da literatura portuguesa.
Para pseudónimo escolheu "Miguel", invocando Cervantes e Unamuno (que também demonstraram a sua constante preocupação com a alma humana) e "Torga" pelas urzes transmontanas que se enraizam nas rochas.
Nasceu em São Martinho de Anta no ano de 1907 mas pereceu na cidade de Coimbra, onde exerceu a sua profissão de Otorrinolaringologista, a 17 de Janeiro de 1995.
Foi na cidade banhada pelo Mondego que, na minha adolescência, tive a oportunidade de um encontro fugaz com esta personalidade. Nunca esquecerei esse momento!
Infelizmente este expoente da nossa literatura, reconhecido a nível internacional, nunca foi galardoado pela Academia Nobel, o que demonstra que quem não tem padrinhos... como os Reis de Espanha...
Nunca se comprometeu politicamente e sempre defendeu os valores da liberdade e da solidariedade dizendo: «Ser livre é um imperativo que não passa pela definição de nenhum estatuto. Não é um dote, é um Dom».
Termino este testemunho com um dos meus poemas favoritos de Miguel Torga, intitulado "Orfeu Rebelde":
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.
Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que ha' gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legitima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.